Entrevista a… Isabel Saraiva e Ana Paula Real
Isabel Saraiva e Ana Paula Real foram pioneiras de Enfermagem no serviço de Helicópteros do INEM e estiveram ao serviço da emergência médica pelo ar durante 23 anos, deixando em maio e novembro de 2016, respetivamente, este serviço do INEM.
Poucos meses depois da despedida, o INEM convidou-as para um regresso a Salemas e à partilha das suas experiências a bordo de um dos meios de emergência mais diferenciados do Instituto. Quisemos saber tudo. Viajámos, por isso, até ao início da aventura.
COMO COMEÇOU A VOSSA INCURSÃO NA ENFERMAGEM?
Para Isabel Saraiva, que é enfermeira desde 1985 “o objetivo era medicina mas como não entrei, fui para enfermagem. Entretanto comecei a ter muito boas notas, a gostar, e acabei por ficar. Gosto muito do que faço. As pessoas não têm que ter um “chamamento”. Para o quer que seja, as pessoas têm de fazer bem o que fazem e aquilo que se propõem fazer. Nunca senti um “chamamento”, nunca senti nada disso”.
Já Ana Paula Real conta que iniciou a sua carreira de Enfermagem em 1986 e que esta opção surgiu também por acaso. “Também não entrei em medicina e acabei por entrar em enfermagem. Fui uma excelente aluna. Estou muito bem e não mudaria nada.”
FORAM PIONEIRAS NO SERVIÇO DE HELICÓPTEROS DE EMERGÊNCIA MÉDICA DO INEM.
CONTEM-NOS COMO FOI.
Nas palavras de Ana Paula Real, “tudo começou em 1993 na Opel, nas chamadas rotas de verão, porque os helis apenas trabalhavam durante um mês. Depois em 1997 passaram a funcionar durante o ano todo e, em 1998, passaram a 24 horas. O mais interessante foi a construção de um trabalho que não existia e nós fizemos parte dele. Quando algo de novo começa há uma motivação que é intrínseca. O sentimento de não saber como se faz, de ninguém saber como se faz, levou a equipa a ficar muito empenhada para o desenvolvimento de uma atividade que não existia. Não havia modelos portugueses, os modelos eram estrangeiros, com outro tipo de meios e outras realidades. É muito gratificante ao longo destes anos ver a construção do trabalho e da equipa dentro desta máquina.”
Para Isabel Saraiva o INEM surge por convite. “Era responsável por uma equipa da urgência e quando me convidaram achei giríssima a ideia. Tivemos as formações de medicina aeronáutica e, no início, o serviço era desde o nascer do sol até ao pôr do sol. Muitas vezes recebíamos solicitações mas não podíamos ir porque não tínhamos luz para aterrar.”
E A VOSSA FAMÍLIA, QUE PENSAVA DESTA ATIVIDADE?
A família de Isabel Saraiva ao início não aprovou, como a própria nos conta: “achavam que andava em perigo constante. O meu marido brincava, dizia que depois o seguro cobria. Inicialmente acharam que corria perigo, mas depressa verificaram que não.”
Já Ana Paula Real define-se como muito determinada nas suas decisões e “nunca houve qualquer questão, aliás sentiam-se muito vaidosos pela filha fazer este trabalho. Já o meu marido dizia “mas à noite…” e eu respondia “isto tanto cai de dia como cai de noite. É mesmo assim.”
RECORDAM-SE DO VOSSO PRIMEIRO SERVIÇO?
Ambas descrevem o primeiro serviço de forma emotiva. Ana Paula Real refere ter sentido muito medo. “Fomos a Portimão e o meu pensamento foi “agora estou metida dentro desta máquina infernal e já não posso sair!” Entretanto chegámos ao doente e esqueci-me de tudo, é engraçado mas a verdade é essa, esquecemo-nos completamente de tudo e estamos ali apenas para salvar a pessoa”.
Isabel Saraiva recorda o seu primeiro primário, aquele serviço em que a emergência médica pelo ar vai mesmo ao local da ocorrência. “Foi num acidente que envolvia uma criança e quando me disseram isso, entrei em pânico. Comecei logo a pensar que as doses para a criança eram diferentes, mas também não era por aí, o médico estava ali de qualquer forma.”
Ainda assim, existem sempre outros serviços que marcam, em especial aqueles que envolvem crianças. Com um sorriso rasgado mas emocionado, Isabel Saraiva partilha um serviço que a marcou particularmente. Foi com o Médico Nuno Catorze. A equipa teve que se deslocar a Portalegre naquele que foi, nas suas palavras, “um susto grande. Informaram que o serviço seria para um bebé de 6 meses, mas quando chegámos, verificámos ser quase neonatal. Foi uma situação muito complicado mas felizmente entregamo-lo bem ao Hospital de Santa Maria em Lisboa.”
E HISTÓRIAS DE MOMENTOS MAIS ASSUSTADORES, EXISTEM?
Sustos é algo que sempre existe quando se anda de helicóptero. Aquele sentimento de poder acontecer alguma coisa está sempre presente. Isabel Saraiva refere mesmo que apanhou mais do que um grande susto, ainda assim, recorda este que aconteceu sobre a Serra dos Candeeiros, a caminho de Coimbra: “havia uma tempestade tremenda e o helicóptero começou a tremer bastante. Entretanto vi duas faíscas a cair na serra ao lado e ficámos logo assustados. O médico olhava para mim, eu olhava para ele, e quando chegámos ao destino ficámos todos contentes e a pensar que daquela nos tínhamos livrado.”
Ana Paula Real ainda hoje não consegue referir o que sentiu, o que pensou, quando apanhou o maior susto da sua vida a bordo de um helicóptero. “Estávamos a voar sobre o rio Tejo e a entrar na zona da Costa da Caparica quando o piloto começa a dizer que o helicóptero estava a perder altura e, efetivamente, o helicóptero estava a baixar. Entretanto tínhamos passado a Costa e estávamos no mar enquanto o helicóptero continuava a baixar muito lentamente e eu pensei que íamos ficar por ali. Entretanto os pilotos conseguiram estabilizar e levantar o helicóptero. O piloto automático tinha-se avariado e tiveram de resolver a situação de forma manual. Foi complicado.”
Ainda assim, a vez em que sentiu mais medo não foi no ar mas em terra. “Fomos a um Centro de Saúde no Norte do país, buscar uma criança queimada. Chegámos ao local e a Lurdes Venâncio, médica, decidiu não entubar a criança e transportámo-la consciente. É difícil controlar uma criança na maca de um helicóptero, assim decidi levá-la ao colo. Estávamos a entrar para o helicóptero e os populares começam a apedrejar o helicóptero, mas não dou conta sequer. Entretanto o Comandante começou a pressionar-nos e a fechar as portas e eu irritei-me, sem nunca perceber o perigo que estávamos a passar. Quando percebi o que aconteceu – os populares estariam irritados porque o helicóptero demorou mais tempo do que gostariam – fiquei com um sentimento grande de revolta. A minha preocupação naquele momento foi proteger e tratar do menino. Não tinham o direito de estar a apedrejar-nos!”
VÃO VIVER PARA SEMPRE SABENDO O QUE É SALVAR UMA VIDA.
COMO EXPLICAM ESTE SENTIMENTO?
Ana Paula Real não perde tempo e explica que “isso de salvar vidas não se explica, é uma coisa que sai de nós. Vou na estrada e vejo um acidente, posso estar atrasada, mas tenho obrigatoriamente de parar. Está dentro de nós. É o amor ao outro e, essencialmente, o amor à vida. E nós estamos e estivemos ali para dar vida!”
Isabel Saraiva reconhece que a pergunta a deixou atrapalhada mas refere que “salvar vidas é fazer o máximo para que se mantenha a vida, com qualidade, o que é muito importante. Penso que fiz sempre o melhor que pude e com amor ao próximo. Isso é indiscutível.”
O INEM envia um especial agradecimento a estas duas excelentes profissionais pelos muitos anos de dedicação à emergência médica pré-hospitalar, bem como pela partilha destas estórias e momentos que marcam também a vida do nosso Instituto.
Desejamos as maiores felicidades pessoais e profissionais às Enfermeiras Isabel Saraiva e Ana Paula Real e fazemos votos que no seu dia a dia continuem a garantir esta missão que é de todos: Salvar Vidas!
